*Por Eduardo Maruxo
Eu não sei você, mas é difícil imaginar um brasileiro que não conheça Zeca Pagodinho ou nunca tenha ouvido a música “Deixa a vida me levar”. Esse samba, considerado quase um “hino nacional alternativo”, inspira uma filosofia de vida baseada em aceitar os desafios com serenidade e deixar o destino fluir naturalmente, uma mensagem que é válida em muitas situações.
No entanto, quando trazemos essa filosofia para o mundo dos negócios, a história muda. Empreendedores e times precisam tomar decisões ativas e, muitas vezes, redirecionar a rota, diante de sinais de perigo ou oportunidades inesperadas.
É aí que entra o conceito de “pivotar”, amplamente popularizado por Eric Ries em “A Startup Enxuta”. Pivotar significa mudar estrategicamente de direção com base em aprendizados, adaptando o modelo de negócios para um caminho mais alinhado às demandas do mercado, sem descartar o que foi construído até então.
Nesse sentido, podemos explorar 3 tipos principais de pivôs.
Tipos de Pivôs
1 – Linear
O pivô linear acontece quando uma empresa mantém sua essência, mas ajusta gradualmente sua oferta. A Amazon é um exemplo clássico: começou vendendo livros online e expandiu seu catálogo aos poucos, até se tornar “a loja de tudo”. Este tipo de pivô exige paciência e análise constante de dados. O sucesso vem da capacidade de identificar oportunidades adjacentes ao negócio principal e explorá-las de forma sistemática.
2 – Reverso
No pivô reverso, a empresa faz uma mudança drástica em sua proposta de valor. A Nintendo é um caso fascinante: começou fabricando cartas de baralho em 1889 e hoje é uma gigante dos games. Este tipo de pivô é mais arriscado e exige coragem da liderança. O segredo está em identificar o momento certo e manter alguns elementos fundamentais do negócio durante a transição.
3 – Acelerado
O pivô acelerado ganhou destaque durante a pandemia, quando empresas precisaram se reinventar em questão de semanas. Restaurantes criaram ou aderiram ao delivery, academias, escolas e universidades desenvolveram aulas 100% online e assim por diante. Este tipo de pivô demanda agilidade e capacidade de execução rápida, mas pode salvar um negócio em momentos críticos.
Como identificar o momento certo para pivotar
Onde há fumaça, há fogo, já dizia o ditado. Sendo assim, destaco 5 sinais importantíssimos para serem avaliados pelas startups.
1 – Dados Financeiros
Os números não mentem. Quando uma startup vê suas métricas financeiras deteriorando consistentemente por 3-6 meses, é hora de considerar mudanças. Isso inclui não apenas receita e lucro, mas também custo de aquisição de cliente (CAC), valor do tempo de vida do cliente (LTV) e taxa de queima de caixa. Uma análise profunda desses indicadores pode revelar problemas estruturais que podem ser salvos ao pivotar uma parte ou todo o negócio.
2 – Baixo Engajamento do Mercado
Se seus usuários não estão verdadeiramente engajados com seu produto, algo está errado. Métricas como tempo de uso, frequência de retorno e NPS podem indicar problemas fundamentais. Um produto pode ter milhares de downloads, mas se ninguém o usa regularmente, é preciso repensar a proposta de valor.
3 – Feedback Negativo Consistente
O feedback dos clientes é ouro puro para startups. Quando as reclamações se repetem ou quando você percebe que está constantemente explicando seu produto, é sinal de que algo precisa mudar. Um bom produto resolve problemas de forma tão natural e dispensa grandes explicações.
4 – Evolução Tecnológica Rápida
A tecnologia avança exponencialmente. Se sua solução depende de tecnologia que está sendo superada, é hora de pivotar. A Blockbuster ignorou a ascensão do streaming e pagou o preço. Fique atento às tendências tecnológicas e como elas podem impactar seu negócio.
5 – Mudanças na Demanda
O comportamento do consumidor muda constantemente, seja por questões como a pandemia, que acelerou várias tendências, como trabalho remoto e compras online, seja por uma nova diretriz ou lei governamental. Startups precisam estar atentas a essas mudanças e prontas para adaptar sua oferta conforme necessário.
Passo a passo pivotar de forma eficiente
“Vamos nos desesperar com calma!”.
Adoro essa frase, não só pelos memes, mas porque trazem uma grande verdade para o nosso contexto.
Agora que você identificou que precisa mudar o rumo, não adianta simplesmente sair fazendo. Invista tempo planejando o caminho, mesmo que pareça que você está “perdendo tempo”, assim você poderá escolher o melhor trajeto.
1 – Diagnosticar problemas
Antes de qualquer mudança, é fundamental ter um diagnóstico preciso. Use ferramentas analíticas, conduza entrevistas com usuários e monte um painel de métricas claras. Imagine hipoteticamente que você esteja investindo uma fortuna com marketing digital, sem grande retorno, e descobrir através de uma análise detalhada que seu público não está em determinado canal que você investe ou que a maior parte de seus clientes são provenientes de indicações. Contra dados, não há argumentos, não é mesmo. O objetivo principal é identificar não apenas os sintomas, mas as causas raízes dos problemas.
2 – Desenvolva soluções inovadoras
Uma vez identificado o problema, é hora de criar soluções. Uma prática eficiente é realizar workshops de ideação com toda a equipe e principalmente trazer para a mesa os clientes. Não assuma que você sabe o que seu cliente quer, é ele quem deve dizer e a startup deve testar diferentes hipóteses, inicialmente em pequena escala, antes de fazer grandes investimentos na mudança de rota.
3 – Testar, testar e testar (constantemente)
O teste é o coração do processo de uma boa pivotagem. Crie experimentos controlados para validar suas hipóteses. Estabeleça métricas claras de sucesso e faça ajustes baseados em dados reais.
4 – Adaptar e refinar
A implementação deve ser gradual e monitorada de perto. Documente cada etapa do processo – os sucessos, e especialmente os fracassos, são valiosos aprendizados.
Desafios Comuns
Toda mudança, por menor que seja, irá gerar choro e ranger de dentes. Tem um vídeo icônico sobre isso de uma conferência da Apple onde um desenvolvedor questiona não só o que Steve Jobs “andou fazendo nos últimos anos”, como também quer saber os motivos de optarem por uma outra linguagem de programação que, na visão do desenvolvedor, é nitidamente pior do que outra. Se não tiver assistido, assista aqui. Além do vídeo ser uma aula sobre criar produtos para pessoas, colocando o cliente no centro do negócio, ele também mostra o quanto uma mudança pode abalar a estrutura de qualquer empresa.
1 – Mudança de mentalidade
A resistência à mudança é natural e precisa ser gerenciada ativamente. Envolva a equipe desde o início no processo de decisão, compartilhe dados e construam juntos o novo caminho (não esquecendo do cliente no processo, hein?!). Transparência e comunicação clara são essenciais.
2 – Custos associados
Toda “pivotada” tem um custo – seja financeiro, operacional ou humano. É crucial fazer um planejamento financeiro detalhado e ter uma reserva para cobrir o período de transição quando você já tiver um time para sustentar neste período. Considere também custos indiretos, como possível perda temporária de produtividade.
3 – Resistência do time
Sua equipe pode temer mudanças por diversas razões: medo de perder relevância, necessidade de aprender novas habilidades ou simplesmente por estarem habituados à tal zona de conforto. Treine e desenvolva seu time sempre, especialmente em momentos como esse.
Pivotar não é dar “cavalo de pau”
Pivotar não é sinônimo de jogar tudo fora e começar do 100% do zero. Sendo assim, deixo algumas dicas práticas para quem precisar realizar um pivô com maiores chances de sucesso, lembrando que não existe “bala de prata”, mas sim, muita tentativa e erro.
1 – Foco em Soluções
Mantenha sempre o problema do cliente no centro das decisões. Por exemplo: uma startup de gestão financeira poderia identificar, através de dados e feedbacks de seus clientes que, antes de criar ferramentas sofisticadas e gráficos super elaborados para controlar finanças, que seus clientes primeiro precisariam passar por um processo de educação financeira e que isso traria mais valor para o negócio do que a solução em si.
2 – Flexibilidade
Seja ágil nas decisões, mas atento ao todo. Uma abordagem mais cautelosa, pode estar em se manter a missão central (ou sua vaca leiteira), enquanto experimenta diferentes formas de entrega de valor, que poderão agregar ou então se tornarem o novo foco do negócio.
3 – Coragem de Experimentar
Aceite que nem todas as tentativas darão certo. É natural algumas startups testarem diferentes modelos de negócio, antes de encontrar um que funcionasse perfeitamente. Cada “fracasso” traz aprendizados valiosos, que contribuem para o sucesso final.
4 – Capacidade de Aprender
Transforme dados em conhecimento acionável. Crie um grupo de trabalho focado, analise dados e feedbacks de cliente, e faça ajustes rápidos na estratégia. Mantenha um registro detalhado de lições aprendidas e compartilhe esse conhecimento com toda a equipe.
Considerações finais
Pivotar não é apenas uma estratégia de negócios — é uma mentalidade essencial para empresas inovadoras e longevas. De acordo com um estudo da CBInsights, cerca de 90% das startups falham, sendo que 70% encerram suas atividades entre 2 e 5 anos de existência. Cruel, não?
O segredo para escapar dessa triste estatística não está em evitar mudanças, mas em abraçá-las de forma estratégica e bem planejada.
Deixa a vida pivotar, mas não se deixe levar.
*Eduardo Maruxo é designer, com MBA em Branding, e é pós-graduando em Tecnologia para Negócios, com ênfase em AI, Data Science e Big Data pela PUC-RS. No final da década de 90, criou uma das primeiras agências digitais do país e, atualmente, é um dos fundadores da Grilo, uma HR Tech focada em empresas e pessoas tech.
Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software