*Por Luis Kondo
A inteligência artificial (IA) se tornou um dos temas mais discutidos nos últimos anos. Está presente em manchetes, em aplicativos que usamos diariamente e em funções que muitas vezes nem percebemos. Em 2025, IA já não é apenas um termo da moda. Pesquisas recentes indicam que metade dos usuários de celulares nos Estados Unidos utiliza buscas por voz baseadas em IA todos os dias (fonte: UpCity), 72% das empresas globais adotaram IA em pelo menos uma função, e a expectativa é de crescimento anual de 36,6% até 2030 (fonte: Grand View Research).
Setores como saúde e varejo já demonstram como a IA pode transformar operações, automatizar processos e criar experiências personalizadas. Agora, cidades e serviços públicos também começam a testar essas aplicações. Mas integrar IA a sistemas urbanos traz desafios consideráveis, incluindo privacidade, segurança e legislação. A questão central é: será possível usar IA para planejar cidades mais sustentáveis, inclusivas e eficientes?
O conceito de smart city envolve o uso de tecnologia, análise de dados e automação para melhorar a eficiência, sustentabilidade e qualidade de vida urbana. Cada cidade pode focar em áreas diferentes, transporte, iluminação, energia, coleta de resíduos — mas o potencial está em conectar sistemas e departamentos para enfrentar desafios históricos.
Benefícios práticos da IA para cidades inteligentes
Antes de abordar os desafios, vale destacar seis benefícios concretos que a IA pode trazer para as cidades:
Políticas públicas orientadas por dados
Governos sempre coletaram grandes volumes de informações. Com IA, é possível analisar esses dados em profundidade, entender expectativas, identificar problemas e antecipar tendências. Ferramentas como gêmeos digitais — réplicas virtuais dinâmicas de bairros ou cidades inteiras, permitem simular cenários antes de implementar políticas, reduzindo riscos e otimizando recursos. Isso torna decisões sobre saúde, transporte, meio ambiente e economia mais alinhadas às necessidades reais da população.
Urbanismo e construção baseados em simulações
O planejamento urbano envolve múltiplos atores e regulamentos. Algoritmos de IA podem transformar dados e normas em representações 3D de projetos, garantindo conformidade automática e facilitando a análise de alternativas. Visualizar o impacto de novas rotas de transporte ou mudanças ambientais permite decisões urbanísticas mais embasadas.
Colaboração entre órgãos públicos
Tradicionalmente, departamentos urbanos funcionam de forma isolada. Plataformas digitais com IA centralizam dados, promovem comunicação segura e facilitam parcerias público-privadas. Isso melhora a tomada de decisão, o serviço ao cidadão e a coordenação entre equipes.
Feedback público eficiente
Cidades inteligentes dependem da participação dos moradores. Ferramentas de análise de dados e linguagem natural capturam opiniões vindas de pesquisas, redes sociais e canais digitais, permitindo respostas rápidas a demandas e maior alinhamento das políticas públicas com as expectativas da comunidade.
Sustentabilidade e gestão ambiental
Planejadores urbanos precisam considerar metas ambientais e mudanças climáticas. IA permite mapear emissões, padrões de mobilidade, consumo energético e riscos ambientais. Gêmeos digitais simulam eventos extremos, como enchentes ou ondas de calor , e ajudam a antecipar desastres naturais, protegendo a população.
Segurança pública aprimorada
Cidades enfrentam desafios constantes de segurança. Tecnologias baseadas em IA tornam câmeras, postes de luz e sensores mais eficazes, detectando padrões suspeitos e agilizando respostas das autoridades. Sistemas integrados cruzam informações e emitem alertas em tempo real, aumentando a prevenção.
Desafios, exemplos internacionais e contexto brasileiro
Apesar dos avanços, a implementação da IA nas cidades exige atenção à privacidade, à segurança dos dados e ao respeito às leis locais. Departamentos historicamente isolados, como água, energia e transporte, precisam se conectar sem abrir mão da proteção das informações pessoais dos cidadãos. Plataformas centralizadas e regulamentos claros são essenciais para garantir o uso ético dessas tecnologias.
Exemplos internacionais mostram resultados práticos. Barcelona reduziu custos e aumentou a eficiência energética com medidores inteligentes e sensores para iluminação pública. Rennes, na França, utiliza ambientes virtuais para planejar novos bairros e envolver moradores nas decisões sobre o futuro da cidade.
Nas metrópoles brasileiras, os desafios urbanos incluem enchentes recorrentes, má qualidade do ar e ilhas de calor, fatores que afetam diretamente a saúde e o bem-estar da população. Ferramentas como gêmeos digitais podem ser decisivas para cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Simulando cenários de alagamento, prevendo impactos ambientais e testando políticas de mobilidade, essas tecnologias ajudam a antecipar problemas, otimizar investimentos e criar soluções adaptadas à realidade local. A integração entre setores público e privado e a participação ativa dos cidadãos são pontos-chave para cidades mais seguras e sustentáveis no Brasil.
Um exemplo importante dessa integração em larga escala vem do setor automotivo: Volkswagen, Audi e Porsche adotaram a plataforma em nuvem da Dassault Systèmes, baseada em gêmeos virtuais e IA, para criar e aprimorar veículos digitalmente antes da produção física, acelerando a inovação e otimizando processos, potencializando a eficiência e a qualidade dos projetos. Esse mesmo conceito pode inspirar o planejamento urbano: ao coordenar diferentes sistemas e atores em um ambiente digital integrado, as cidades podem criar soluções mais eficazes, sustentáveis e alinhadas às necessidades reais da população.
Com a evolução acelerada da tecnologia, gestores públicos têm a oportunidade de automatizar processos, ampliar a colaboração, fortalecer a segurança e promover o desenvolvimento urbano sustentável. Para isso, é fundamental definir objetivos claros, adotar soluções confiáveis, respeitar as normas locais e informar a sociedade sobre as mudanças. Assim, as cidades brasileiras poderão acompanhar as tendências globais e construir modelos inovadores de qualidade de vida urbana para as próximas gerações.
Nesse contexto, ganha força o conceito de Economia Generativa, que propõe o uso integrado de gêmeos virtuais, ambientes imersivos, inteligência artificial e design generativo para transformar produtos, serviços e infraestruturas em soluções circulares e sustentáveis. Aplicado às cidades, esse modelo permite criar simulações amplas que conectam planejamento urbano, meio ambiente e qualidade de vida em um ciclo contínuo de otimização e inovação.
Estamos entrando em uma nova era urbana, em que a inteligência artificial nos permite enxergar além do presente e planejar cidades verdadeiramente conectadas às necessidades das pessoas. Com IA, podemos antecipar enchentes, otimizar o transporte, melhorar a segurança e até envolver a população nas decisões mais importantes para o futuro dos bairros. Mais do que tecnologia, trata-se de construir ambientes urbanos colaborativos, resilientes e sustentáveis, onde cada inovação é pensada para elevar a qualidade de vida de todos os cidadãos.
*Luis Kondo, LATAM Business Planning & Operations / Public Services da Dassault Systèmes
Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software