Unir interoperabilidade, cibersegurança e inclusão digital pode transformar o SUS em um sistema acessível, eficiente e centrado no paciente
*Por Valeria Bursztein
A transformação digital da saúde brasileira está em curso — e exige, mais do que tecnologia, uma profunda mudança de mentalidade. Para que o Brasil avance nesse processo de forma soberana, inclusiva e eficiente, precisamos construir pontes entre as esferas pública e privada, integrando todos os atores em torno de objetivos comuns: garantir acesso universal, melhorar a experiência do cidadão e usar dados com responsabilidade.
A digitalização do setor de saúde tem potencial para resolver algumas de suas maiores fragilidades, que são a fragmentação dos dados, a sobrecarga dos serviços presenciais, a falta de continuidade no cuidado, os desperdícios operacionais e o subaproveitamento da informação clínica para a formulação de políticas públicas. Entretanto, não há solução mágica — é preciso pensar a transformação de forma estruturada, com foco em interoperabilidade, segurança da informação, inteligência artificial responsável e letramento digital.
A interoperabilidade precisa ser encarada como uma espécie de pilar central, já que um sistema de saúde digitalizado só funciona se os dados circularem com segurança e precisão entre diferentes plataformas, prestadores, entes federativos e níveis de atenção. A adoção de padrões internacionais, como o Fast Healthcare Interoperability Resources (FHIR), é apenas o começo. É necessário avançar na padronização de terminologias clínicas, identificação única de pacientes e integração entre sistemas legados e novas soluções. A falta de interoperabilidade não apenas gera ineficiência, mas compromete o cuidado integral ao cidadão.
O ambiente digital amplia as oportunidades, mas também os riscos. Em um setor que lida com dados sensíveis e vidas humanas, cibersegurança não pode ser um complemento — precisa estar no centro do desenho das soluções. A proteção das informações clínicas e a resiliência das infraestruturas digitais devem seguir os princípios de segurança por desenho, autenticação robusta e monitoramento contínuo, alinhados com as melhores práticas globais e a legislação nacional.
A Inteligência Artificial precisa ser considerada, como acontece em qualquer setor, com muita responsabilidade. A aplicação de IA na saúde traz ganhos inegáveis em diagnóstico, triagem, análise preditiva e gestão. No entanto, temos que garantir que esses algoritmos sejam treinados em bases de dados que reflitam a realidade brasileira, respeitando a diversidade epidemiológica e os direitos dos pacientes. Transparência, auditabilidade e controle humano devem orientar o desenvolvimento dessas tecnologias.
Também vale destacar que uma inovação tecnológica só é efetiva se for acessível a todos. A inclusão digital dos profissionais de saúde, dos pacientes e da população em geral é um desafio que demanda esforços em capacitação, linguagem simples e desenho centrado no usuário. A experiência digital precisa ser intuitiva, culturalmente adequada e capaz de incluir grupos historicamente excluídos do sistema — como idosos, pessoas com baixa escolaridade ou em áreas remotas.
A transformação digital na saúde não é apenas uma meta tecnológica — é um imperativo ético. Um SUS mais digital pode ser também um SUS mais humano, menos desigual e mais eficiente. Cabe a todos nós — setor público, empresas, academia e sociedade — fazer dessa visão uma realidade concreta.
*Valeria Bursztein é coordenadora das Verticais de Negócios da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES).
Aviso: A opinião apresentada neste artigo é de responsabilidade de seu autor e não da ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software
Artigo publicado originalmente no site IT Forum: https://itforum.com.br/colunas/transformacao-digital-saude-futuro/