* Por André Beck
O setor de inteligência artificial atravessa um gargalo multifacetado, marcado pela limitação de infraestrutura computacional, escassez de profissionais especializados, bases de dados insuficientes, pressões regulatórias e custos crescentes de desenvolvimento. Em um ambiente altamente competitivo, no qual milhares de startups disputam atenção e investimento, surge uma questão central: o que faz uma solução de IA deixar de ser apenas um experimento promissor e se tornar protagonista real de transformação?
A resposta está menos na complexidade técnica e mais na capacidade de gerar impacto concreto, sustentável e ético. As startups que mais avançaram no último ano têm algo em comum: todas desenvolvem tecnologias que resolvem problemas reais, com aplicação direta em setores como saúde, gestão pública, logística, energia e educação, e entregam valor consistente no longo prazo.
A saturação atual não decorre da falta de capital. Embora o volume global investido em IA permaneça em expansão, grande parte dos projetos ainda está presa na transição entre protótipos e adoção plena. A ausência de infraestrutura local, o acesso restrito a chips avançados, conjuntos de dados incompletos ou enviesados, e a dificuldade de formar equipes maduras de machine learning ampliam o abismo entre o que é demonstrado em laboratório e o que chega efetivamente ao usuário. Mesmo iniciativas que alcançam a fase inicial de implementação muitas vezes falham em construir bases sólidas de continuidade.
Segundo o relatório The State of AI – 2025, da McKinsey & Company, muitas empresas já utilizam IA e começam a explorar agentes autônomos, mas a maioria ainda se encontra nas etapas iniciais de escala. Entre os principais desafios, o estudo destaca a transição de pilotos para implantação plena, a necessidade de redesenho de workflows para capturar valor real e o aumento das iniciativas voltadas à mitigação de riscos.
Nesse cenário, as soluções que se tornam relevantes são as que conseguem contornar essas barreiras. Startups que ganharam protagonismo recentemente adotaram modelos mais eficientes, capazes de operar com menos recursos, apoiados em técnicas de compressão, transferência de aprendizado e otimização de inferência. Também avançaram em independência tecnológica, com arquiteturas adequadas para infraestrutura local, preservação de dados sensíveis no próprio território e menor dependência de provedores estrangeiros, um movimento que reforça a soberania digital e amplia a autonomia estratégica de países e organizações.
O impacto humano tornou-se igualmente determinante. Aplicações que ampliam o acesso à saúde, aprimoram serviços públicos, otimizam jornadas educativas, fortalecem medidas de segurança ou reduzem desigualdades são as que conquistam tração. As inovações que se destacaram nos últimos anos foram além da performance técnica: transformaram rotinas, reduziram custos e demonstraram que a tecnologia pode ser útil, inclusiva e estrategicamente relevante.
No fim, o que diferencia uma IA irrelevante de uma IA transformadora é a combinação entre utilidade, eficiência, ética e impacto. As startups que prosperaram no último ciclo não foram as que buscaram competir apenas em escala, mas as que criaram soluções acessíveis, responsáveis e alinhadas às necessidades reais do mercado e dos governos.
O futuro da IA não será definido por quem constrói o modelo mais poderoso, mas por quem entrega o modelo mais útil. Em um setor que amadurece rapidamente, o verdadeiro desafio não está apenas em criar tecnologias, mas em garantir que cada inovação seja capaz de atravessar o gargalo, consolidar relevância e deixar de ser apenas mais um projeto no caminho.
* André Beck é Sócio e Executivo da WideLabs
Notice: The opinion presented in this article is the responsibility of its author and not of ABES - Brazilian Association of Software Companies













